Em quase 900 anos de história, Portugal viveu cinco grandes revoluções. O que ficou destas revoluções para o século XXI?
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ConhecimentosTranscrição
00:00Revoluções.
00:14As revoluções surgem como uma constante que anuncia novos ciclos.
00:19Em Portugal, pequeno território, mas um dos mais antigos países deste planeta,
00:23este fenómeno ocorreu diversas vezes.
00:30A CIDADE NO BRASIL
01:00A CIDADE NO BRASIL
01:29Cuidado de não contaminar a linha temporal.
01:32Avançamos para o passado à procura de respostas.
01:36A nossa viagem começa agora.
01:59No início de 1800, a paisagem política portuguesa ganha novas cores.
02:17Cores mais liberais.
02:18Com a missão de investigar a resiliência desta nação,
02:36reunimos vários especialistas para nos ajudar a examinar e decifrar estes acontecimentos.
02:40A revolução de 1920 já se passa depois de terem cedado na Europa duas grandes revoluções.
02:49A revolução inglesa do século XVII, que faz da Inglaterra, digamos, o primeiro Estado,
02:56chamemos-se assim, constitucional, a primeira monarquia constitucional da Europa.
03:00A França cortou a cabeça ao raio 150 anos depois da Inglaterra,
03:05mas aí já há um processo que vai mais longe.
03:08Já houve um processo de instauração da República,
03:11depois há todo o ciclo revolucionário francês, terror, termidor, depois a vinda de Napoleão.
03:17Nos primeiros anos do século XIX, as invasões napoleónicas lançam o caos na Europa.
03:27As tropas de Napoleão conquistam Espanha e ameaçam Portugal.
03:36Dom João VI toma a decisão de mudar a corte e a capital de Lisboa para o Brasil.
03:43Covardia ou estratégia?
03:44O que as invasões francesas trouxeram foi justamente a fuga da corte para o Brasil, para o Rio de Janeiro.
03:52Do ponto de vista estratégico, foi a decisão certíssima, certíssima,
03:57porque Napoleão não pôde fazer com Portugal o que fez com Espanha.
04:01Não pôde capturar a nossa casa real.
04:05No caso de Espanha, a família real é apressada e retenida em França.
04:10O irmão de Napoleão é nombrado rei de Espanha, José Bonaparte.
04:16O país continuou a ter uma capital, mas uma capital nas colónias.
04:21É um aspecto extraordinário, não é?
04:23Portanto, difícil de compreender para muitos outros europeus,
04:28o facto de o país ter resistido contra Napoleão a partir de uma capital situada no Império,
04:35e, neste caso, no Brasil.
04:36Alguns historiadores chamam covarde a D. João VI, mas não.
04:42Ele defendeu a soberania de Portugal e indo para o Brasil.
04:46O que o monarca português não podia prever
04:48é que, anos mais tarde, seria a própria família real o epicentro de grandes convulsões.
04:54Mas regressemos às invasões francesas.
04:56As invasões francesas têm um duplo sentido.
05:02Por um lado, elas provocaram, de facto, um período duríssimo na história do país.
05:08O país esteve quatro anos muito violentos, 1917 a 1911, guerras, combates, guerrilha.
05:15Nós chegámos a ter centenas, talvez 300 mil pessoas civis armadas.
05:20Napoleão era um imperador, era um expansionista,
05:26mas, ao mesmo tempo, era um expansionista que mantinha laços com uma mensagem emancipadora da Revolução Francesa.
05:33Ele trazia os seus exércitos, que faziam aquilo que os exércitos fazem,
05:39que é destruição, conquista, terror, mas, ao mesmo tempo, também trazia novas leis.
05:45E, por isso, a memória europeia das invasões francesas, por todo o lado, é mista.
05:51A Revolução Francesa abre um mundo novo de ideias e de desenvolvimentos políticos,
05:57que, ao se manifestar a través de Napoleão e a sua invasão dos reinos europeus,
06:03subverte completamente o orden político e também o orden social.
06:08Para expulsar os franceses do território português, o apoio dos ingleses revela-se essencial.
06:13Mas aquilo que foi uma vantagem, depressa-se transformará num problema.
06:19Há uma tutela inglesa que fica assim que as invasões se encerram, em 1811.
06:24Há altas patentes que eram ocupadas por oficiais ingleses e, portanto,
06:28há um sentimento de perda de independência em relação aos ingleses.
06:33Que transformou Portugal, na verdade, num protetorado inglês.
06:43Napoleão foi derrotado e a guerra na Europa terminou em 1815.
06:58Mas Dom João VI não mostra interesse em regressar a Portugal.
07:02Prefere continuar no Brasil.
07:04Na prática, são os ingleses liderados por William Bersford
07:07que controlam o exército e governam Portugal.
07:10Mas o sentimento de revolta vai aumentando.
07:14Se é verdade que, 180 anos antes,
07:16os portugueses estavam revoltados por ter o rei em Madrid,
07:19agora sentiam-se revoltados por ter o rei no Brasil.
07:22E aí havia outra vez, enfim, alguma similaridade com aquilo que tinha acontecido
07:28entre 1580 e 1640.
07:31Era um rei ausente.
07:32Depois da derrota de Napoleão,
07:34os ingleses várias vezes tentaram trazer,
07:38através da família real, para Portugal.
07:40Simplesmente, Dom João VI encantou-se.
07:43Encantou-se com o Brasil.
07:44A partir de 1815, o país tinha mudado de nome.
07:49Tínhamos passado a ser o Reino Unido de Portugal e do Brasil.
07:53Era uma união de reinos.
08:07Algumas das instituições fundamentais do novo Estado,
08:12ou do futuro Estado brasileiro, foram criadas por Dom João VI.
08:16E assim se explica que o Brasil se tivesse adquirido a independência pacificamente.
08:22O Brasil enceta um caminho de autonomização
08:25que há de conduzir depois à independência, em 1922.
08:28E a abertura dos portos locais à navegação internacional
08:32causou um profundíssimo impacto no comércio externo.
08:35Dom João VI abriu o comércio dos portos brasileiros,
08:39que era uma prerrogativa, um monopólio português,
08:41aos ingleses, abriu, às potências estrangeiras.
08:45Os nossos comerciantes, sobretudo do Porto,
08:48ficaram muito prejudicados com isso, não é?
08:53Se o Brasil até aí tinha sido o verdadeiro pulmão financeiro do Reino,
08:58esse pulmão, digamos que é interrompido.
09:01E portanto, em 1820, não só a ruína económica,
09:04mas um certo sentimento de orfandade pátria,
09:06uma corte ausente e um reino que, de repente, era a metrópole,
09:10mas que se torna a colónia, ao fim e ao cabo.
09:12E esse sentimento de subalternização leva os conspiradores a saírem à rua
09:17com um manifesto que exigia rei, religião, cortes e constituição.
09:25Há várias classes sociais que têm o seu papel preponderante na Revolução de 1820.
09:31Agora, a classe que realmente, na minha perspetiva, se distingue
09:35é, sem dúvida, a dos juristas.
09:37Com vista a mudar o estado das coisas, em 1818,
09:47surge no Porto uma pequena organização secreta chamada Sinédrio,
09:51composta sobretudo por juízes.
09:55Durante dois anos, entre 1818 e 1820,
09:59há uma combinação revolucionária.
10:02Há o aliciamento de militares,
10:04há panfletos que circulam, há folhetos que circulam.
10:09E a grande intriga é como é que a regência,
10:13como é que o Conselho da Regência,
10:15defendendo as instituições de antigo regime,
10:17não percebeu que estava a acontecer
10:19a preparação de uma revolução que seria uma revolução importante.
10:34E é, de facto, o Sinédrio quem marca ideologicamente o 24 de agosto de 1820.
10:59Tudo pessoas que não eram militares,
11:01mas que tinham uma forte visão ideológica
11:04daquilo que devia ser o futuro do país.
11:06Portanto, estas pessoas defendiam, estas sim,
11:08um futuro liberal, constitucionalista para o nosso país.
11:13Uma das questões que se coloca é de saber
11:14se o Sinédrio era ou não era muito influenciado pela maçonaria.
11:19Eu penso que sim.
11:20A maçonaria em Portugal,
11:21que tinha sido criada em 1802,
11:24com a fundação do Grande Oriente Positano,
11:26nesta altura, nas antevésperas do 24 de agosto,
11:30encontrava-se com uma organização bastante fragilizada.
11:35Já tinha havido uma tentativa de revolução anterior
11:38que tinha acabado mal, não é?
11:40Com o enforcamento de todos aqueles que tinham ousado
11:44tentar uma primeira revolução liberal,
11:47antes do golpe de 1820.
11:49Em 1817, o grão-mestre da maçonaria portuguesa,
11:59o general Gomes Freire de Andrade,
12:01o general português mais importante desse tempo,
12:04foi condenado à morte e foi executado
12:06de uma forma indigna pela forca,
12:08quando o Código de Direito Militar
12:10tinha direito a ser fugilado.
12:12O Marshal William Kerr Bersford,
12:23que na prática governava o país
12:25através de um conselho de regência quase fictício,
12:28condenou-o à morte e, portanto,
12:30enforcou e resolveu e fazê-lo dessa maneira
12:33humilhante para o general e para o exército português.
12:37Portanto, era preciso ter o maior cuidado
12:39na forma como se organizava um grupo secreto
12:43para, efetivamente, conspirar contra a ordem dominante.
12:47Tal como tinha acontecido na Revolução de 1640,
12:51foi de Espanha que veio o sinal para avançar.
12:54As revoluções liberais começam, sobretudo,
12:56com a Revolução Americana, 1776,
13:00com a independência dos Estados Unidos da América
13:01do poder colonial inglês
13:03e, na Europa, sobretudo, a Revolução Francesa de 1789,
13:07essa é que são pioneiras,
13:09inclusive é também em Espanha
13:11que andaram à frente na Revolução Liberal.
13:16Portanto, os espanhóis,
13:17uma década antes, tinham feito a Revolução,
13:19já em 1810, convocaram as suas cortes
13:21e fizeram a sua própria Constituição de Cádiz de 1812.
13:26Resultou pouco tempo e foi revogada logo em 1814,
13:29mas é reposta em vigor no início de 1820.
13:33Isso vai ser um fator determinante
13:35para a Revolução Portuguesa de 1820.
13:37Quando esta Constituição Española
13:39é restaurada a través de um pronunciamento
13:42que começa em enero de 1820,
13:44os portugueses que estavam esperando isto,
13:46primeiro em Oporto,
13:48deciden que eles também têm que fazer uma revolução,
13:51porque chegou o momento
13:52de criar um orden constitucional em Portugal.
13:55Então, evidentemente, há uma influência
13:57do texto constitucional,
13:58que se convierte em um texto muito importante
14:00para todos os liberais de toda a Europa,
14:03mas também, por suposto, para os portugueses,
14:05porque uma coisa importante
14:06é que Espanha e Portugal
14:07estão no mesmo espaço geográfico
14:09e o que passa em um país
14:10acaba, de alguma maneira,
14:13influyendo no que passa no outro.
14:14O Sinédrio, que é sem dúvida
14:16o motor da Revolução de 1820,
14:18no espaço de seis ou sete meses
14:20tinha cinco membros.
14:22E, curioso,
14:23a partir de março de 1820,
14:27engarearam oito membros.
14:29Portanto, isto é sintomático
14:30de que realmente a conjuntura de Espanha
14:34e a reposição da Constituição de Cádiz
14:36vai influenciar o país
14:38e, na minha perspectiva,
14:41é a partir daí que o Sinédrio
14:42passa a ter a intenção de fazer a revolução.
14:45De norte a sul do país,
14:47a situação política marcha ao ritmo dos liberais,
14:50mesmo que a grande maioria dos portugueses
14:51não soubesse bem o que isso significava.
14:53A palavra liberal
15:00aparece a princípio do século XIX
15:03para designar aqueles que são defensores
15:06de um governo
15:06em que os direitos dos indivíduos
15:08são respeitados
15:09e, associado a isto,
15:10há uma organização institucional
15:13que defende a soberania nacional,
15:16a separação de poderes
15:18e a proteção dos direitos dos indivíduos.
15:20O liberalismo era uma filosofia
15:22nascida no iluminismo,
15:25mas, essencialmente,
15:25era uma filosofia reativa
15:27em relação àquilo a que se chamava
15:28em França o Ancien Regime,
15:31o Antigo Regime,
15:32ou, de uma forma mais vulgar,
15:34o absolutismo.
15:34Ora, o absolutismo partia do pressuposto
15:37do direito divino dos reis.
15:38Os reis tinham poder por direito divino
15:41e, portanto, eram duas visões
15:42completamente atagónicas
15:44da legitimidade de poder
15:46e da origem de poder
15:47e da organização de poder.
15:48Aquilo que o liberalismo sugere
15:51no fim do século XVIII
15:53e depois no século XIX
15:54é a criação do embrião
15:58daquilo a que nós hoje chamamos
15:58do Estado de Direito,
15:59que é um Estado submisso à lei
16:01e à Constituição.
16:02Os absolutistas
16:03eram considerados serviços
16:05ou corcundas
16:06pelo facto de se curvarem,
16:08de fazer vénia ao poder.
16:09E, portanto, o liberal de 1820
16:11era aquele que desejava
16:13ardentemente
16:14dessa regeneração política
16:15da pátria.
16:21Em agosto de 1820,
16:24o general inglês
16:25William Bersford
16:26parte para o Rio de Janeiro
16:27para se reunir
16:28com o rei Dom João VI.
16:30É um momento decisivo
16:31para os conspiradores avançarem.
16:33A revolução liberal
16:44eclode do Porto,
16:46chamado Campo de Santo Ovidio,
16:48a 24 de agosto de 1820.
16:51Porque a regência dominando
16:52a cidade mais importante
16:55não deixaria
16:56que esse levantamento liberal
16:58ocorresse em Lisboa.
16:59mas as comunicações,
17:01apesar de serem
17:01muito mais rudimentares
17:02do que são hoje,
17:03chegaram muito rapidamente.
17:08O facto de ter sido no Porto
17:09é uma vantagem
17:11para o sucesso
17:12da revolução de 1820.
17:14É a única revolução
17:16na história de Portugal
17:17que é feita fora da capital.
17:19A Lisboa estava
17:20muito mais controlada,
17:22a regência tinha
17:23a sua sede em Lisboa,
17:24a intendência da polícia
17:25e, portanto,
17:26seria mais difícil
17:27ter a exigência
17:28e daí o importante papel
17:29da cidade do Porto.
17:30Isto acontece em grande medida
17:32porque o Douro
17:33e o Porto
17:34são muito dinamizados
17:35no século XVIII
17:36pelo vinho do Porto
17:38ou pela exportação
17:39de vinho da cidade do Porto.
17:41O Porto cresce
17:41proporcionalmente
17:43mais do que Lisboa
17:44durante parte do século XVIII
17:45e boa parte do século XIX
17:46e isso traduz-se
17:47na política.
17:49A revolução
17:50começa por ser obra
17:51de um grupo
17:51de juristas e de militares,
17:53mas depressa alastra
17:54aos comerciantes
17:55e ao povo.
17:56Uma revolução
17:59que não seja feita
18:00por elites
18:01é uma revolução
18:02que não tem sucesso.
18:03É uma revolução
18:04fracassada, não é?
18:05Ou seja...
18:06O problema central
18:07é saber
18:08se essas elites
18:09conseguem
18:10refletir
18:11ou conseguem liderar
18:13ou conseguem
18:13identificar-se
18:14com uma maioria
18:16significativa
18:17da população
18:18capaz de apoiar,
18:20sustentar
18:20e lutar
18:21pela mudança.
18:22Ora,
18:22em 1820
18:23nós temos
18:24sem dúvida nenhuma
18:24o povo,
18:25o povo do Porto,
18:26foi a revolução
18:27do Porto,
18:28não é?
18:29É o momento
18:29em que é o Porto
18:31que comanda
18:31a história de Portugal,
18:32mas temos também
18:33um fator
18:34que nunca mais
18:35deixou de estar presente
18:36nas revoluções portuguesas,
18:37as forças armadas,
18:38as forças já existentes,
18:40já constituídas.
18:41Foi uma revolta militar.
18:42O exército
18:43em 1820
18:44sentia-se
18:45ferido
18:47no seu orgulho,
18:49era mal pago,
18:50não recebia o soldo
18:51há um ano e meio,
18:53a oficialidade
18:54era inglesa,
18:54portanto,
18:55há ali uma reivindicação
18:56que tem que ver
18:57com o próprio estatuto
18:58dos militares,
19:00mas os militares
19:00são também aliciados
19:01pelos civis
19:02para avançarem
19:03para uma revolução
19:04política.
19:06Portanto,
19:06o padrão
19:07é sempre
19:07o exército
19:08vai à frente
19:09e depois entrega
19:12a revolução
19:12aos civis.
19:14O papel
19:14dos membros
19:16do Sinédrio
19:16é fundamental
19:18para o êxito
19:19da revolução.
19:20Eles já conseguiram
19:21comandar,
19:23liderar
19:23e levar
19:24que a revolução
19:25de 1820
19:26tivesse êxito.
19:27Desde logo,
19:28um dos aspectos
19:29que eles tiveram
19:30em atenção
19:30foi legitimar
19:32a revolução.
19:33No dia da revolução,
19:35a própria junta
19:36provisional
19:36do governo
19:37é eleita
19:38em variação
19:39da Câmara Municipal
19:40do Porto.
19:41e enviam circulares
19:43a todas as Câmaras
19:45municipais
19:46para prestar
19:47essa homenagem,
19:48esse juramento
19:49e essa adesão
19:50à causa nacional.
19:51Portanto,
19:51no fundo,
19:52há aqui uma tentativa
19:53de legitimidade
19:55eleitoral.
19:57No espaço
19:57de um mês,
19:58entre 24 de agosto
19:59de 1820
19:59e 27 de setembro
20:01de 1820,
20:03a revolução
20:03domina
20:03Lisboa
20:04e Porto.
20:05se a revolução
20:07começou no Porto,
20:08ela vai terminar
20:09em Lisboa.
20:10A capital
20:11volta a ser
20:12o centro
20:12da atividade
20:13política.
20:18Uma revolução
20:19praticamente
20:20não tem oposição,
20:22não é?
20:23Portanto,
20:23mas houve uma grande
20:24adesão popular.
20:26Sem dúvida,
20:27só a título
20:28de exemplo,
20:29há indicação
20:29de que
20:30o dia 1 de outubro,
20:31quando realmente
20:32termina este período
20:33de revolução
20:35propriamente dito,
20:36estariam mais de 100 mil pessoas
20:38no rússio
20:38em Lisboa.
20:51Uma revolução pacífica
20:53que não deixava antever
20:54as consequências dramáticas
20:56que viriam a ocorrer
20:57no futuro.
20:59De alguma forma,
21:11a revolução do Porto
21:12é um ultimátum
21:13ao rei,
21:13obrigando,
21:14dizendo,
21:15se efetivamente
21:16nós somos leais
21:17ao rei,
21:17mas somos leais
21:18na condição
21:19de que ele regresse
21:20a Lisboa,
21:20que regresse a Portugal.
21:22A revolução,
21:22por exemplo,
21:23não pôs em causa
21:24a monarquia.
21:25Pelo contrário,
21:26essa era uma continuidade
21:27desta revolução.
21:28Eles,
21:29chamaram o rei,
21:30queriam que o rei
21:31voltasse para Lisboa
21:32e discutiram também
21:35que poderes
21:35deveriam conceder
21:37ou não ao rei,
21:38mas nunca puseram
21:39em hipótese
21:40a ideia,
21:40por exemplo,
21:41de uma república.
21:42Portanto,
21:42a revolução não tem
21:43uma retórica revolucionária,
21:46tem uma retórica regeneradora,
21:48regenerar os laços
21:50com o rei,
21:51fazer o rei regressar
21:52e, portanto,
21:53restaurar o reino
21:55tal como ele existia
21:56antes.
21:58E D. João VI
21:58regressa.
22:00Seguramente contradiado,
22:02mas regressa,
22:03regressa,
22:04para salvar a sua coroa,
22:05não é?
22:06Para,
22:07enfim,
22:07porque efetivamente
22:08foi colocado
22:09perante um ultimátum
22:10e faz tudo aquilo
22:12que a revolução
22:13exigiu.
22:15Acabou por vir,
22:16mas deixou lá
22:16o seu filho,
22:17coisa que as cortes cá
22:18não gostaram muito
22:19porque isso era
22:20manter um centro de poder
22:22no Rio de Janeiro.
22:23Uma das coisas
22:24que estes liberais
22:25não queriam
22:26que acontecesse.
22:28Portanto,
22:28há uma certa tensão
22:30entre o rei
22:31e os revolucionários,
22:32o que não significa
22:33que haja uma ruptura
22:35entre ambos,
22:36porque,
22:37pelo contrário,
22:38uma das coisas
22:38que estes revolucionários
22:40de 1820 queriam
22:41era manter a monarquia.
22:44chega a Lisboa,
22:45ele chega no dia 3
22:46e o dia imediato
22:47foi convocado
22:49para ir às cortes,
22:50mas para jurar
22:51as bases da Constituição.
22:54D. João VI
22:55foi um moderador
22:56muito interessante
22:56e essa ideia
22:57de ele ser idiota
22:58que foi uma ideia
22:59também um bocado lançada
23:00no século XIX
23:00por alguns historiadores.
23:02D. João VI,
23:03eu por acaso
23:03há duas coisas
23:04de D. João VI,
23:05duas frases
23:05que lhe são atribuídas
23:06que eu acho que se vê,
23:07penso eu,
23:08não era assim tão idiota.
23:09Primeiro,
23:10sobre os elogios
23:11que ele dizia
23:12não acredito,
23:13mas gosto de ouvir.
23:13Claro,
23:14como era rei,
23:14faziam-lhe imensas elogios
23:16como é normal.
23:16E a segunda
23:17é que quando ele jurou
23:18a Constituição de 1922,
23:19parece que o povo entusiasmado
23:21tirou os cavalos
23:22da carruagem do rei.
23:24Levaram essa carruagem
23:25dando vivas
23:27ao povo soberano.
23:28E as pessoas
23:28que estavam à volta
23:29do D. João VI
23:30ficaram um bocado
23:31incomodadas com aquilo.
23:32Ele disse assim,
23:33enquanto eles forem lá
23:34e eu for aqui,
23:35não há problema.
23:36Portanto,
23:36simplesmente tinha sentido
23:38de humor.
23:39Os idiotas,
23:39normalmente,
23:39não têm sentido
23:40de humor nenhum.
23:40A revolução de 1820
23:48dá início a um novo capítulo
23:50na história,
23:51com abertura
23:52a ideias modernas
23:53de fazer política
23:54e a extinção
23:55de instituições
23:56associadas ao peso
23:57da aristocracia.
23:58As cortes
23:59reúnem-se a 26 de janeiro
24:00de 1821,
24:02em Lisboa,
24:02um momento marcante
24:03para a história
24:04da democracia portuguesa.
24:06As cortes
24:07e a Constituição
24:08fazem parte
24:09do lema da Revolução.
24:10Portugal já tinha cortes.
24:12Portugal é o país
24:13que tem
24:14dos parlamentos
24:15mais antigos da Europa.
24:17Portugal,
24:17desde 1254,
24:19tinha esta espécie
24:19de parlamento medieval.
24:21E essas cortes
24:22históricas
24:22ou tradicionais
24:23mantiveram-se
24:24até ao século XVII.
24:25E, portanto,
24:26em 1820,
24:27já tinha passado
24:28mais de um século.
24:29Tinha passado
24:29123 anos
24:31que não eram convocadas
24:32as cortes.
24:32O lema da Revolução
24:33é convocar as cortes.
24:35Mas a principal
24:35questão é
24:36mas que tipo de cortes?
24:38E, perante esta questão,
24:40a Junta Preparatória
24:41das Cortes
24:41tem uma iniciativa
24:42inédita.
24:44Resolvem fazer
24:45uma consulta pública
24:46consultando
24:48a classe letrada
24:50do país
24:50para dar a sua opinião
24:52sobre a forma
24:54de convocar
24:55as próximas cortes.
24:57Isto é um momento
24:58extraordinário
24:58para a história
24:59constitucional portuguesa.
25:01Quando se reuneiam
25:02as cortes,
25:02as cortes já não são
25:03como as cortes
25:04do século XVII.
25:05já são
25:06umas cortes
25:07mais parecidas
25:08com os nossos parlamentos
25:09que vão ser eleitas
25:10num voto individual
25:11e não já
25:13como nas antigas cortes
25:14os vários grupos sociais
25:16de que se compõe
25:17o reino.
25:18Por outro lado,
25:20a representação
25:21passa a ser
25:22de todo o território.
25:24É Portugal
25:24e as suas
25:26colónias ultramarinas.
25:28Vieram representantes
25:29de todos os continentes.
25:31Um aspecto interessante
25:33da revolução
25:33e da constituição
25:35portuguesa
25:35de 1822
25:36é que uma enorme
25:38percentagem
25:40de portugueses
25:41da época
25:41eram de origem
25:42africana.
25:43Uma percentagem
25:44muito significativa
25:45dos portugueses,
25:46que eram cerca,
25:47incluindo a população
25:48do Brasil,
25:48cerca de 6 ou 7 milhões,
25:51era constituída
25:52por pessoas
25:53afrodescendentes.
25:54Antes de se envolver
25:55na luta contra o seu pai
25:56e o seu irmão
25:57em Portugal,
25:58Dom Pedro marca
25:59para sempre
25:59o destino do Brasil.
26:00A 7 de setembro
26:01de 1822,
26:03com o pretexto
26:04de não querer ver
26:04reduzida a autonomia
26:05da colónia
26:06face a Portugal,
26:07Dom Pedro,
26:08filho de Dom João VI,
26:09decide revoltar-se
26:10contra o poder
26:11de Lisboa
26:12e declara
26:12a independência
26:13do Brasil,
26:14naquele que ficou
26:15conhecido como
26:16o Grito de Ipiranga.
26:18Dom Pedro também
26:19é intimado
26:20a regressar
26:20e ele
26:22recusa fazê-lo.
26:23Essa recusa
26:24de Dom Pedro
26:24de regressar
26:26a Portugal
26:27marca o processo
26:28que depois
26:29vai conduzir
26:29em 7 de setembro
26:30de 1822
26:31ao Grito de Ipiranga
26:32à separação
26:34dos dois reis.
26:37No Brasil
26:37é conhecido
26:38como o dia
26:38do Eu Fico
26:39porque ele declarou
26:40se for para o interesse
26:42do Geral da Nação
26:43Eu Fico.
26:45É o 9 de Janeiro.
26:469 de Janeiro,
26:46é o dia do Eu Fico.
26:47Como é para o bem
26:48de todos
26:48e felicidade
26:49Geral da Nação
26:50Fico.
26:51Para um lado
26:52temos deputados
26:53brasileiros
26:53nas Cortes
26:54de Lisboa
26:55constituintes
26:56discutindo
26:56a Constituição,
26:59uma Constituição
27:00que também
27:00seria sua
27:01e temos
27:02um processo
27:03de dissidência
27:04e de início
27:04de uma separação
27:05que decorre
27:07no Brasil
27:08em linhas paralelas.
27:10Tudo acontece
27:11no mesmo mês,
27:127 de setembro
27:13a declaração
27:14de separação
27:15do Ipiranga,
27:16o Grito do Ipiranga,
27:1723 de setembro
27:19a aprovação final,
27:21a aclamação final
27:22da Constituição.
27:23Na sequência
27:24da Revolução
27:25do Porto
27:25nasce a primeira
27:26Constituição portuguesa
27:28inspirada nos
27:29ideais liberais
27:30com valores
27:30que ainda hoje
27:31estão presentes
27:32no nosso dia-a-dia
27:32como a separação
27:34de poderes.
27:35Para trás
27:35ficavam os tempos
27:36de poder absoluto
27:37ou pelo menos
27:38julgava-se que sim.
27:39A Revolução
27:40de 1820
27:41é realmente
27:41uma revolução
27:42que traz mudanças
27:43e inovações.
27:45A primeira
27:45delas é desde logo
27:46a ideia
27:47de uma Constituição
27:48escrita.
27:49Isso significa
27:50que estes homens
27:52acreditavam
27:53que a ordem
27:54social
27:54podia ser decidida
27:56pela vontade
27:56política dos homens,
27:58podia ser escrita
27:59à luz da sua razão,
28:00que contraria
28:01à velha ideia
28:02de que a ordem
28:03social já está
28:04criada e os homens
28:05têm que respeitar
28:06essa ordem
28:06tal como ela está.
28:07Do ponto de vista
28:08político é sem dúvida
28:09uma das revoluções
28:11mais radicais.
28:13Há efetivamente
28:14uma quebra
28:15enorme
28:16com o passado.
28:18Desde logo
28:19em relação
28:19à origem do poder.
28:21A origem do poder
28:22passa a ser
28:22uma origem popular,
28:24princípio
28:24da soberania popular.
28:26A soberania
28:27já não está
28:28na dinastia,
28:29não é?
28:30Por graça
28:30de Deus,
28:31mas que de certo modo
28:32está no conjunto
28:34da comunidade
28:35de direitos
28:36políticos,
28:37direitos civis,
28:38de eleição,
28:38tudo isso.
28:39já é uma revolução
28:47no conceito
28:48completamente moderno.
28:49A Inquisição
28:50foi extinta
28:51e, portanto,
28:52logo isso abalava
28:54uma certa influência
28:55política e judicial
28:57que a Igreja tinha
28:58e, sobretudo,
29:00a Constituição
29:00que é feita,
29:01a Constituição
29:02de 1822,
29:03que é a primeira
29:04e mais antiga,
29:05essa sim
29:06é bastante
29:06inovadora.
29:08É uma Constituição
29:09quase republicana
29:11no sentido
29:12em que retirava
29:13ao rei
29:13poderes.
29:15O rei tinha apenas
29:15um poder de veto
29:16suspensivo,
29:17portanto,
29:18é uma espécie
29:19de república
29:19encoberta.
29:21Aí sim
29:21foi-se muito longe.
29:23A Constituição
29:23em que,
29:24para a primeira vez,
29:25as pessoas
29:26aparecem como cidadãos
29:27e não como súbditos
29:29vem na linha
29:30da Revolução Francesa.
29:32Afirma-se
29:33logo no início
29:34que a Constituição
29:35está ao serviço
29:36da liberdade,
29:37a segurança
29:38e a propriedade
29:39dos portugueses.
29:41A nossa Constituição
29:41de 1822
29:43deve ser
29:43dos primeiros
29:44textos constitucionais
29:45a abrir
29:46com um catálogo
29:48de direitos fundamentais.
29:49Por exemplo,
29:49a Constituição americana
29:50primeiro fez-se
29:52a Constituição
29:53e só a posteriori
29:54é que surge
29:55o catálogo
29:55de direitos fundamentais
29:56como a primeira emenda.
29:58Estas Constituições
29:59eram revolucionárias
30:00bajo nosso ponto
30:01de vista de hoje,
30:02pois a lo mejor
30:03nos parecen
30:04insuficientes,
30:05pero en aquel
30:06tempo eran
30:07realmente
30:08un auténtico
30:10cambio radical.
30:12A democracia
30:13para eles
30:13não tinha
30:13qualquer
30:14significado
30:16nem próximo
30:16daquilo
30:17que nós hoje
30:18lhe damos.
30:19Desde logo,
30:20a democracia
30:20para eles
30:21estava longe
30:22da ideia
30:22de sufragio universal.
30:23o eleitorado
30:25é uma parte
30:25ínfima
30:26da população.
30:27São as pessoas
30:27que têm
30:30propriedade,
30:31pagam impostos
30:32e as pessoas
30:33que sabem
30:33ler e escrever
30:34são muito poucas.
30:36Ora, nós estamos
30:36a falar de sociedades
30:37onde a esmagadora
30:38maioria das pessoas
30:40não era alfabetizada,
30:41era o caso
30:41de Portugal,
30:42onde cerca,
30:42se calhar,
30:43de 90%
30:43das pessoas
30:44não sabia ler
30:45nem escrever.
30:45O Almeida Garrete
30:47viveu a revolução
30:48de 1820,
30:49era um jovem,
30:50era um finalista
30:51da Universidade
30:52de Coimbra
30:52e é o Almeida Garrete
30:54que lidera
30:55o movimento estudantil
30:56para que os estudantes
30:58pudessem votar.
30:59Porquê?
31:00Em Coimbra,
31:01só os naturais
31:02de Coimbra
31:02é que votavam em Coimbra,
31:03cada um votaria
31:04no fundo
31:05na sua terra natal.
31:07E o Almeida Garrete
31:08tem esta iniciativa,
31:10juntou os estudantes,
31:11fizeram imensos panfletos
31:12e liderou
31:13um movimento estudantil
31:15que conseguiu
31:16que os estudantes
31:17todos da Universidade
31:18de Coimbra
31:18pudessem votar.
31:20O Estado
31:20criará escolas públicas
31:22em todos os lugares
31:24do reino
31:24para ensinar
31:25a mocidade
31:26de ambos os sexos
31:28a ler,
31:29escrever
31:29e contar.
31:30Portanto,
31:31é uma Constituição
31:32que está empenhada
31:33na promoção
31:34da mulher.
31:35É também
31:36precursora
31:37em matéria
31:38de direito do ambiente.
31:40A ideia
31:40de plantar árvores
31:41é uma ideia
31:42que aparece
31:42nessa Constituição
31:43e que,
31:44por sinal,
31:44não aparece
31:45em mais nenhuma
31:45outra Constituição.
31:47É uma Constituição
31:47que viria
31:49a ser precursora
31:50de grandes transformações
31:52no século XX.
31:58Mas os princípios
31:59defendidos
32:00pela nova Constituição
32:01eram vistos
32:02como uma ameaça.
32:03tem um carácter
32:05democrático.
32:06Isso é o que
32:07convierte
32:07essa Constituição
32:08em um veneno
32:11visto desde
32:12as potências
32:13da Santa Aliança
32:14porque essa igualdade
32:16que estabelece
32:17essa Constituição
32:17destruye
32:18todo o orden
32:19tradicional.
32:19Curiosamente,
32:201820
32:21é uma revolução
32:23portuguesa
32:24que vai,
32:24de certa forma,
32:26aprofundar
32:27uma ideia
32:27constitucional
32:28herdada
32:29da Revolução
32:29Francesa
32:30num período
32:31de recuo
32:31das liberdades
32:33e das constituições
32:34na Europa.
32:36A Europa monárquica,
32:37conservadora,
32:38tradicionalista,
32:39tem um susto
32:39muito grande
32:40com a Revolução
32:41Francesa
32:42de 1789
32:43e depois,
32:44com o Congresso
32:44de Viena
32:45em 1815
32:46e com a derrota
32:47de Napoleão,
32:48a Europa monárquica,
32:50tradicionalista,
32:51legitimista,
32:52recompõe-se.
32:53A veces,
32:54o tempo histórico
32:55de Espanha
32:55e Portugal
32:56não é o mesmo
32:57que o resto da Europa.
32:58É que,
32:59quando se produce
32:59a Revolução Española
33:01de Enero
33:01e a que,
33:03de 1820
33:04e de Agosto,
33:05de Setembro,
33:06digamos,
33:06de 1820
33:07em Portugal,
33:08o liberalismo
33:09na Europa continental
33:10está derrotado.
33:12E isso é uma coisa
33:13que explica
33:13muitas das coisas
33:14que vão ocorrer
33:15mais tarde
33:16com estas revoluciones,
33:17que,
33:17bom,
33:18são aplastadas.
33:19Se criou
33:20uma Santa Aliança
33:21que está formada
33:22por Prusia,
33:23por Rusia,
33:24Áustria e França,
33:25que são países
33:26que,
33:27depois da experiência
33:27revolucionária francesa
33:29e das guerras
33:30napoleónicas,
33:31querem que tudo
33:32deva ser
33:32como havia sido
33:34antes de 1789.
33:37E isso explica
33:38por que o zar de Rusia
33:39señalava
33:40que deviam ser
33:41aplastados.
33:42ele chama
33:45o que ocorre
33:45em Portugal
33:46e o qualifica
33:46de catástrofe,
33:47a catástrofe portuguesa,
33:49que é a revolução
33:50de 1820.
33:51Portanto,
33:51não era o momento
33:52mais propício
33:53para uma revolução liberal.
33:55O vintismo faz-se
34:02para recuperar
34:02a ligação
34:03com o Brasil,
34:05mas,
34:06a partir do momento
34:07em que a antiga colónia
34:08se torna independente,
34:09uma das razões
34:10por que o vintismo
34:12fracassa
34:12é exatamente
34:13esse insucesso
34:14ao não ter conseguido
34:15restabelecer
34:16uma ligação estreita
34:17com a sua
34:19mais antiga colónia.
34:21O Brasil
34:21era um Portugal
34:23sonhado.
34:23O Brasil
34:25foi,
34:26digamos assim,
34:27a nossa América.
34:28A nossa América
34:28no sentido
34:29onde tudo é possível,
34:31onde tudo era
34:32tão possível
34:33que até tivemos
34:34a capital
34:34do país
34:35nesse território.
34:37portanto,
34:38temos aqui
34:39uma espécie
34:41de saldo amargo
34:42porque temos,
34:42por um lado,
34:43uma verdadeira revolução liberal
34:44e, ao mesmo tempo,
34:46quando ela é aprovada,
34:47já temos um país
34:48cindido
34:49e temos a separação
34:50entre Portugal
34:52e o Brasil
34:53que foi sentida
34:54de uma forma
34:55muito dolorosa.
34:56Digamos que
34:57a separação
34:58do Brasil
34:59obrigou
35:00a redefinir
35:01completamente
35:02a nossa própria
35:02identidade,
35:03digamos assim.
35:04nessa altura,
35:05todas as outras
35:06partes do Império
35:07que ainda existiam
35:08eram consideradas
35:08de muito menor importância
35:10do que o Brasil.
35:11O facto
35:12da Constituição
35:12de 1822
35:14ser demasiado avançada
35:15para a época
35:16e estar em contraciclo
35:17na Europa
35:18terá comprometido
35:19o seu futuro.
35:20Juntou-se a isto
35:20uma família real
35:21explosiva,
35:22protagonista de relevantes
35:24consequências
35:24para o país.
35:25D. Pedro,
35:26o filho mais velho
35:27de D. João VI,
35:28tinha atribuído
35:29a independência
35:30ao Brasil.
35:30D. Miguel,
35:32o filho mais novo,
35:33estava prestes
35:34a ser responsável
35:35por um dos períodos
35:36mais sangrentos
35:37da história
35:37de Portugal.
35:38Em maio de 1823,
35:41D. Miguel,
35:41à frente das forças
35:42absolutistas,
35:44parte de Vila Franca
35:44de Xira
35:45para Lisboa
35:46e põe termo
35:47à primeira experiência
35:47liberal portuguesa
35:49naquela que ficaria
35:50conhecida como
35:51Vila Francada.
35:52A apoiá-lo
35:52tinha a sua mãe,
35:54a rainha
35:55Dona Carlota Joaquina.
35:57Logo no dia 3 de junho,
35:59as cortes são suspensas,
36:02a nossa primeira
36:02Constituição Política
36:04de 1822
36:05é revogada imediatamente
36:07e, portanto,
36:08aí termina,
36:08de facto,
36:09este primeiro ciclo
36:10do liberalismo.
36:11O facto de fazer
36:12uma Constituição
36:13tão liberal
36:13é uma das principais
36:15causas
36:16da queda
36:17precoce
36:18do liberalismo
36:19ou do vintismo.
36:20Porquê?
36:21Porque era uma Constituição
36:22demasiado avançada
36:24para a época.
36:25Um dos seus autores
36:26materiais,
36:27que foi o José Ferreira Borges,
36:28posteriormente
36:29confessou isso,
36:31ele diz
36:31que a Constituição
36:33que nós fizemos
36:34em 1822
36:35era uma Constituição
36:37adaptada
36:39a uma república
36:40e não a uma monarquia.
36:41A verdade é que
36:42a implantação
36:43da república
36:44ocorreu
36:45praticamente
36:45100 anos depois,
36:47só em 1910.
36:48Por outro lado,
36:49são os mesmos militares
36:50que tinham feito
36:51a revolução
36:52em agosto
36:53de 1820
36:54que se acabam
36:55também
36:56por revoltar
36:57contra o vintismo
36:58em 1923
36:59porque sentem
37:00que o vintismo
37:01está a seguir
37:01um curso
37:02de alguma anarquia
37:04das massas
37:04em geral
37:05e isso leva-os
37:06a preferir
37:07uma solução
37:07mais conservadora
37:09que é a solução
37:10encarnada
37:10em 1923
37:11por D. Miguel
37:12ou por D. João VI
37:13está otorgando
37:14uma Carta Constitucional.
37:17Esta revolução
37:19criou
37:20três grandes inimigos
37:21ao movimento
37:22constitucional
37:23que era
37:24o clero
37:24a nobreza
37:28e a própria monarquia.
37:34Na monarquia,
37:35sobretudo,
37:36a rainha,
37:37D. Carlota Joaquina
37:38e o D. Miguel.
37:42É importante
37:43nós termos a atenção
37:43de que o D. João VI
37:45a seguir à Vila Francada
37:46não repôs
37:47aquilo a que nós podemos
37:48chamar o Ancien Regime.
37:50O D. João VI
37:50promete ao país
37:51uma nova Constituição
37:52mas uma Constituição
37:54que não fosse
37:54tão radical
37:55convém aqui também
37:56regalçar
37:57que é um pouco
37:58por causa
37:58desta viação do rei
37:59no seguimento
38:00da Vila Francada
38:01que não agradou
38:02ao Partido Apostólico
38:04ao Miguelismo
38:04que pouco tempo depois
38:06no dia 30 de Abril
38:07acontece mais
38:08o golpe militar
38:09este assumidamente
38:10liderado
38:11pelo Infante Dom Miguel
38:13que abre o ar
38:14Na sequência
38:17do golpe militar
38:18o Infante Dom Miguel
38:19que tinha sido nomeado
38:20responsável máximo
38:21do exército português
38:22acabou por ser enviado
38:24para o exílio
38:25pelo rei e seu pai
38:26Dona Carlota Joaquina
38:28seria internada
38:29no Palácio de Queluz
38:30era visível
38:32a tensão crescente
38:33no seio
38:33da família real
38:34o confronto
38:42entre os dois irmãos
38:43entre o Dom Miguel
38:44e o Dom Pedro
38:45não é propriamente
38:46uma luta pelo poder
38:47ou uma luta pelo trono
38:49porque o próprio
38:50Dom Pedro
38:51abdicou do trono
38:52em favor da filha
38:54que entretanto
38:55casou com o Dom Miguel
38:56e portanto
38:57permitindo ao Dom Miguel
38:58governar e liderar
39:00como regente
39:01O casamento
39:01entre tio e sobrinha
39:02não tem nada
39:03de excepcional
39:04era algo muito
39:06frequente
39:08e recorrente
39:08na casa real portuguesa
39:10o que tem de excepcional
39:12é as candidaturas
39:13de dois irmãos
39:14a projetos políticos
39:16completamente diferenciados
39:17num caso
39:18o liberalismo
39:19num outro caso
39:20o anti-liberalismo
39:22essa é que é
39:22a novidade
39:24E era essencialmente
39:25um casamento
39:25para resolver
39:26uma questão política
39:27muito séria
39:28que aliás
39:29depois se viu
39:30como séria foi
39:31que era encontrar
39:32aqui uma situação
39:33de conciliação
39:34entre o liberalismo
39:36e a força
39:37do partido
39:38mais tradicionalista
39:40mais apostólico
39:41que era representado
39:42pelo Dom Miguel
39:43Dom João VI
39:44tinha morrido
39:45em 1826
39:47tendo o filho
39:48mais velho
39:48Dom Pedro IV
39:49já imperador do Brasil
39:51abdicado da coroa
39:52portuguesa
39:53a favor da filha menor
39:54Dona Maria II
39:55Dom Miguel
39:56viria a assumir
39:57a regência do reino
39:58mas havia fortes
39:59indícios
40:00de que as coisas
40:01poderiam correr mal
40:02em relação ao Dom Miguel
40:04ele é o filho segundo
40:05de Dom João VI
40:06e é sobretudo
40:07um absolutista
40:09convocou as cortes
40:10tradicionais
40:11para se auto-aclamar
40:13como um rei absoluto
40:14Dom Miguel
40:15no fundo
40:16encarna
40:16digamos
40:17os valores
40:19do ancião regime
40:20portanto
40:20a ideia
40:21da monarquia
40:22católica
40:24rural
40:26popular
40:27e Dom Pedro
40:29encarna
40:30exatamente
40:30uma certa
40:31a tal
40:32modernidade
40:33liberal
40:33Dom Pedro
40:35tinha mandado
40:36suspender
40:36a primeira moeda
40:37do Brasil
40:38independente
40:39em que ele é
40:39retratado
40:40como imperador
40:41ao estilo romano
40:42precisamente
40:42porque poderia
40:43passar a mensagem
40:44de poder
40:45absolutista
40:45Nós temos que
40:48distinguir muito bem
40:49o que era
40:49o pensamento liberal
40:50do Dom Pedro
40:52que está refletido
40:53na carta constitucional
40:55que é uma constituição
40:56que ele otorga
40:57entrega ao país
40:58depois da morte do pai
40:59em 1826
41:00e o liberalismo
41:02de 1820
41:02em muitos aspectos
41:03não são semelhantes
41:04o liberalismo
41:05do Dom Pedro
41:06é mais amigo
41:07do princípio monárquico
41:09enquanto que
41:10o liberalismo
41:10de 1820
41:11e da constituição
41:12de 1822
41:13centra
41:14a origem do poder
41:15da nação
41:16Curiosamente
41:17é o texto
41:17com maior longevidade
41:19na história
41:19constitucional portuguesa
41:21porque ao contrário
41:22da constituição liberal
41:23não chega a um período
41:24de um ano
41:24de vigência
41:25a carta constitucional
41:27vigorou durante 72 anos
41:29Se é verdade
41:31que os revolucionários
41:32de 1820
41:33se orgulhavam
41:34de não ter sido
41:35vertida uma gota de sangue
41:36não é menos verdade
41:38que haveria de seguir-se
41:39um dos períodos
41:39mais sangrentes
41:40da história de Portugal
41:41fruto do confronto
41:43entre dois irmãos
41:44Dom Miguel
41:45e Dom Pedro
41:46que dividiu o país
41:47entre miguelistas
41:48e liberais
41:49numa guerra
41:50que haveria de se prolongar
41:51por dois anos
41:52A seguir à revolução
41:59seguiu-se uma guerra
42:00civil sangrenta
42:01de perseguições
42:03as pessoas
42:03exilaram-se
42:04as que não se exilaram
42:05muitas
42:06foram mortas
42:07foi uma guerra
42:08muitíssimo violenta
42:10talvez das mais violentas
42:12da história portuguesa
42:13Em 1829
42:17na sequência
42:18de uma revolta liberal
42:19as autoridades miguelistas
42:21enforcaram os revoltosos
42:22expuseram as cabeças
42:24pregadas em postes
42:25ao longo da praia
42:26entre Leça
42:26e a Foz do Dor
42:27É um período
42:31de terror
42:32e de perseguição
42:33e de agressão
42:34e de constante
42:35violação
42:35de direitos fundamentais
42:37É desse conflito
42:39que se virá
42:40a traduzir
42:41no maior número
42:42de paredes políticos
42:43alguma vez existente
42:44em Portugal
42:45na época contemporânea
42:47foram milhares
42:47durante o governo
42:49de Dom Miguel
42:49Passava-se fome
43:12a insegurança era total
43:14e um pouco
43:15por todo o país
43:16sentia-se essa insegurança
43:17porque o país
43:18estava de facto
43:20numa guerra civil
43:21e a repressão
43:22por parte do governo
43:23de Dom Miguel
43:24foi muito grande
43:25de tal maneira
43:26que nós tivemos
43:26milhares e milhares
43:28de imigrados
43:29para a Inglaterra
43:30e para a França
43:31de liberais
43:31de pessoas
43:32que de facto
43:33sentiam a sua vida
43:35em risco
43:35aqui em Portugal
43:36Só no ano
43:44de 1831
43:4547 mil portugueses
43:47foram vítimas
43:48de perseguição
43:48e repressão política
43:5028 mil
43:51foram presos
43:52e deportados
43:53isto num universo
43:54de 3 milhões
43:55de habitantes
43:56durante a liderança
43:57de Dom Miguel
43:58139 portugueses
43:59foram executados
44:00publicamente
44:01Dom Miguel
44:08tem uma grande incompetência
44:09dos seus generais
44:10mesmo na maneira
44:11como conduzem
44:12a guerra civil
44:13enquanto
44:13que Dom Pedro
44:15tem de facto
44:15uma equipa
44:16bastante completa
44:17à volta dele
44:18e portanto
44:18ganham
44:19a guerra civil
44:20e portanto
44:34a guerra civil
44:36Depois do fim da Guerra Civil e do exílio permanente de Dom Miguel,
44:56Dona Maria II assume o seu lugar como rainha,
44:59dando início a um novo período liberal,
45:00que tinha começado em 1820, mas que o curso da história tinha interrompido.
45:06Enquanto isso, o resto do mundo seguia a sua marcha.
45:09Inglaterra e Estados Unidos da América prosseguiam a todo o vapor com a Revolução Industrial.
45:15Em 1821, os gregos, com a ajuda dos ingleses, russos e franceses,
45:20tinham lutado contra o Império Otomano pela sua independência.
45:25No continente americano, uma série de revoluções entre 1821 e 1839
45:31marcam o nascimento de novos países que se separam do Império Espanhol.
45:35Em 1824, Ludwig van Beethoven tinha protagonizado um diferente tipo de revolução,
45:42com a estreia em Viena da Áustia da Nona Sinfonia.
45:45Nós, apesar de sermos um país pequeno,
46:08somos o primeiro país da Europa a ter efetivamente um parlamento.
46:13E a verdade é que a mãe do parlamentarismo, que é a Grã-Bretanha,
46:17em Inglaterra, o parlamento inglês é posterior.
46:21E por isso devemos orgulhar-nos dessa situação e do facto de 1820 ter recuperado e modernizado esse parlamento.
46:31É de facto em 1820 que se começam a criar as práticas, as instituições, os valores,
46:38que hoje definem o nosso Estado ainda.
46:40Mecanismos como cortes, assembleia, eleições, opinião pública, liberdade, lei escrita,
46:48tudo isso que nós damos por adquirido hoje começa a ser construído em Portugal
46:52com a chamada Revolução de 1820.
46:56Revolução de 1820
47:26Revolução de 1820
47:28Revolução de 1820
47:32Revolução de 1820
47:33Revolução de 1820
47:34Revolução de 1820
47:36Revolução de 1820
47:38Revolução de 1820
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47:40Revolução de 1820
47:41Revolução de 1820
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47:51Revolução de 1820